POLÍTICA x POLITICAGEM
(Texto publicado em 07/04/2016)
Há um velho ditado popular em que diz: “religião, futebol e política não se discutem”. O não se discutir, talvez, esteja relacionado mais ao radicalismo do que, propriamente, a carga de conteúdos que essas três categorias oferecem para uma boa conversa. Desses três, um gera grande aversão por parte da maioria das pessoas e, principalmente, no contexto atual – a Política.
Não é uma simples aversão, é um pavor, um medo... Um medo por não conhecer, por acreditar que “tudo está perdido” e que não muda mais... Neste texto, iremos apresentar a forma como a política se constitui e como ela se apresenta hoje e, nós, como somos influenciados e influenciamos o mundo através de nossas ações políticas.
As práticas sociais acabam por determinando quem nós somos e até mesmo o quanto valemos. Os saberes produzidos através da prática são extraídos dos próprios indivíduos que com o passar do tempo acabam se esquecendo do que ele mesmo produziu, do conhecimento que gerou. A todo saber é constituído de relações de poder, pois onde existe o poder, também se formam saberes. Assim, para cada formação social há os seus conhecimentos e por consequência suas verdades; de forma indireta há uma segregação àqueles que não possuem ou que não tem acesso às informações, ditas como competentes ou científicas e, portanto, não podem expressar suas opiniões, ficando à parte socialmente, politicamente e culturalmente – tudo isto, por não fazer parte de uma “verdade relativa”.
Não é qualquer pessoa que pode dizer o que pensa em qualquer lugar e sob qualquer circunstância. O discurso e a prática científica possuem regras precisas de exclusão e de inclusão. Trata-se de dar à palavra àqueles que têm a experiência de interpretar de modo erudito a experiência alheia. Temos, então, uma política em constante mudança, pois são produzidas através de práticas em determinados momentos da História da Humanidade.
Apresentando desta forma, parece que a grande parte da população está, cada vez mais, se distanciando da política. Mas se enganam os que pensam desta forma, pois política é a “arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados” e também é o “modo de haver-se, em assuntos particulares, a fim de obter o que se deseja”. Partindo desta segunda definição, todos, sem exclusão, são políticos, pois em toda escolha há uma decisão a ser tomada, há um modo de agir... isso é política! O problema está quando se confunde política com politicagem, sendo esta última a “política de interesses pessoais, de troca de favores”. Percebe-se que houve, com o transcorrer do tempo, uma “confusão” das definições e que acabou por deixar a população descontente e estarrecida com a política, em sua definição original. Falaremos, brevemente, sobre a política em sua concepção de governar Estados e nações.
Por o homem viver em sociedade faz-se necessário criar regras e leis. Aos líderes eleitos cabe a tarefa de refazer as leis e fazê-las cumprir. Na ausência dessas leis alguns líderes se sentem impulsionados a criar suas próprias regras resultando, frequentemente, em consequências sem proporções tangíveis, podendo repercutir sobre várias gerações. Em síntese e parafraseando Maquiavel (O Príncipe), o líder deve ser um homem prudente e virtuoso, beneficiando à coletividade dos homens do país, através de ações éticas e visando, unicamente, o bem comum e não a si próprio. Em “O Príncipe”, Maquiavel formula regras precisas sobre fazer política, sobre a arte de governar pessoas de seu tempo e no seu tempo. Tentar trazer “o príncipe” para a contemporaneidade é cair em grande erro. Assim, a política não pode ser somente uma adaptação cotidiana do comportamento às necessidades pessoais, mas a coletividade o que, erroneamente, foi chamada de maquiavélico (que é a prática do individualismo) é o que chamamos hoje de politicagem. Isto parece que está longe, certo? Então vamos falar de algo mais próximo... Do homem político e não do homem que ocupa um cargo político.
Como homem político faz-se necessário analisar o lugar que ocupamos nas relações sociais, pois em cada lugar temos diferentes formas de relações de poder. É preciso estar ciente de nossos comportamentos, de nossas ações, de nossas palavras, pois nossas práticas não são neutras, elas produzem um efeito poderoso no mundo e nas pessoas... Portanto, são ações políticas.
É impossível pensar em política sem associá-la à vida comum, pois as ações políticas estão conectadas em nossos comportamentos. A forma e a maneira de agir, seus limites e todas as respostas a essas perguntas correspondem à arte da política. Na política também existem regras que ao serem violadas não podem ficar impunes. Acontece que no Brasil a impunidade é velha conhecida e, assim, a política passou a ser chamada de politicagem... Essa mistura faz do Brasil um país ímpar, em que seu povo vive se vangloriando de “passar a perna nas pessoas” e ainda consideram ter o direito de reclamar dos políticos que administram o país onde, em sua essência, são os mesmos que fazem a política se transformar em politicagem.
Há uma pesquisa que revela que sete de cada dez brasileiros já praticaram algum tipo de corrupção. Corrupção pode ser entendida como: receber alguma vantagem pessoal ou oferecer vantagem a um terceiro para ter uma condição privilegiada sobre algo, independente de ser ativo ou passivo. O problema está que enxergamos corrupção como algo grandioso, mas não, ela está em nossas práticas do dia-a-dia. Por exemplo: segundo a mesma pesquisa, 67% das pessoas já compraram algum produto pirata; 15% usou alguma estratégia de fraude contra o fisco; 15% já compraram meia-entrada em cinema ou teatro usando uma carteirinha falsa ou de outra pessoa. Outras afirmam que mais de 21% dos brasileiros receberam troco a mais em uma compra e não devolveram a diferença; 32% fizeram ou fazem “gato” na TV por assinatura. O que dizer dessas corrupções? São poucas aqui descritas, mas que certamente você já fez ou conhece, no mínimo, uma pessoa que tenha feito.
Como exigir dos políticos que não sejam corruptos se nós, também, o somos? Não importa os motivos que levaram, pois, como, lido em uma frase, “não existe meio ladrão”.
Tudo isto é um problema cultural. Que tem relação com as raízes, com o tipo de educação que se oferece, com o famoso “jeitinho” brasileiro de ser. É preciso enfrentar este problema! É preciso debater, educar e ensinar à todos, desde as crianças pelos pais até os mais velhos, pois o exemplo é fundamental na mudança de comportamentos. Não adiantar dizer para a criança: “Não jogue papel no chão”, se o pai o faz na frente da criança, É um absurdo estar pedindo isto em pleno século XXI. É uma mudança que levará décadas, gerações, mas que é necessário iniciar agora sendo político e não fazendo politicagem.
Referências:
COIMBRA, C. M. B. Psicologia e Política: a produção de verdades competentes. 2002. Disponível em: . Acesso em: fevereiro, 2016.
HOUAISS, A. VILLAR, M. de S.; FRANCO, F. M. M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
LE BON, G. A Psicologia da Política. Trad. Souza Campos, E. L. de. Niterói: Teodoro, 2013.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Trad. Sérgio Bath. Brasília: Editora da UnB, 1979.
TEXTO ESCRITO POR: Carlos Renato Pizzol - Psicólogo Clínico (CRP 06/88502) - Atende na CRP Serviços de Psicologia.